sexta-feira, 2 de janeiro de 2009


Levantar-me pela manhã, conectar as narinas ao cérebro e deliciá-lo com o cheiro a café de uma chávena que não vou beber, sentir a chuva miudinha a cair lá fora, e respirar o ar de dentro como se fosse a brisa de uma manhã clara de primavera. Afinal de contas, naquela casa jamais sentirei a chegada das estações quentes; o tempo está estagnado nas imagens e passa a correr pelas gentes que não conheço. Muda a paisagem mas os olhos não alcançam como se precisassem de uns binóculos ou umas lentes fundo de garrafa de champanhe para verem de muito longe aquilo que se passa à minha volta.
Acorrentada ao telemóvel sigo viagem com chegada marcada, bem decorada pelo cérebro e, nos momentos em que sinto as duas penas das minhas asas de cartolina branca, voo até as recordações que fiz; já que a sua partida foi em vão, deixou por aqui saudades que impedem que o seu cheiro desapareça, pois em cada partícula de ar que engata por engano nos pulmões sinto o cheiro só dele, por detrás daquele perfume. E, ao contrário das outras pessoas, saí de casa num dia de chuva, pois poderá não haver uma próxima oportunidade. Fecho os olhos, ouço a música que costumava ouvir e vou arrecadando na minha adega, segundos de felicidade ainda não gastos como o número de vidas de um jogo de computador; ficaram por gastar desde aquela semana de verão, sim, porque tive um cuidado especial em congelar algumas sensações; preocupo-me muito mais em conservá-las do que continuar com a vida igual. O Homem só escala o monte Everest uma vez na vida, eu já escalei o meu. Cheguei ao topo da montanha no último dia e depois mantive-me lá durante uma porrada de dias, quem sabe semanas ou meses. Também ele sempre fez com que me mantivesse lá o máximo de tempo possível e que sentisse todo o meu corpo a sorrir e completamente narcótico de toda aquela natureza que me rodeava. Respirei toda aquela aura a virgindade e mergulhei os olhos no verde da montanha, absorvendo o vermelho límpido das maçãs nas árvores lá ao fundo.
Parece que todos os dias sou cortada com pedaços de vidro que andam a voar no céu, acordam-me para a realidade e sinto, à medida que vou apagando estas memórias, os estilhaços de vidro a espetarem no meu corpo; o frio penetra-me de uma forma fugaz e adormece-me os sonhos, leva-os para tão longe de mim…
Continuo a passo brando pelas ruas onde passaste e dou por mim a lutar com a minha mente, numa procura incessante por mais bocadinhos de memória, partículas dela que ainda estejam com algum poro intacto. Reinvento-te todos os dias. Por momentos consigo que os olhos vejam o sítio onde queria estar, parecia que sempre quis ali estar. Quais crises existências, quais depressões aniquiladoras, naquele dia, naquela hora, tinha arranjado o maior remédio de todos.


5 comentários:

qel disse...

Antes de mais nada, obrigada pelo teu comentário, gostei (e concordo) com todas as reflexões q ali deixaste. Também eu tenho de ler "Quem mexeu no meu queijo?", já tive várias vezes com ele na mão e li algumas passagens mas, como tenho uma lista infindável de livros para ler e muitos deles estão primeiro q este, nunca cheguei a traze-lo para casa.
De qualquer maneira, gosto bastante da tua escrita e espero 'ler-te' mais vezes.
Um beijinho *

Anónimo disse...

Obrigado prima , e tens toda a razão ! :D

tuuuuuuuuuuuuuuuu!

David Pimenta disse...

achei este texto divinal.
gosto bastante da tua 'escrita' e vou ser um leitor presente do teu blog.
Obrigado pelo comentário e concordo com o final que deste a todos os diários existentes no mundo, mesmo :)
espero que tenhas um bom ano, sinceramente!
beijinho

Ana Moreira disse...

Gostei imenso dos textos do teu blog. Escreves muitíssimo bem, parabéns!

Um beijo

Anónimo disse...

Que bom teres regressado, Fiquei super contente ufa está a ver que não. Beijinho e não voltes a sair ok fica por aqui. bj