segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Olhei para o céu. Engoli as nuvens e ceguei-me com a sua beleza. Pobre criança, não merecia. Vidrei as pupilas de azul e com um pouco de branco à mistura tentei respirar a verdade, a triste verdade.
O mar, enfurecido, continuava no seu vaivém inconstante, e desesperadamente acabei por desejar que o pior tivesse acontecido comigo; era uma questão de justiça, não de vontade. Roubei muitos tempos ao tempo até tomar consciência do presente que acabava de viver. Senti uma vontade repugnante de lhe contar que o mundo continuava igual mesmo depois da sua partida breve, que o mundo, por muitos anos que passasse conservava a sua história, qualidades e defeitos. Queria provar-me que era melhor assim, que era melhor partir do que apagar-se aos poucos. Mas não, pobre criança!, mal sabia o que era o amor, pobre criança mal sabia que ainda havia tanto por descobrir.
Todos os dias são lindos para morrer, mas nenhum dia é bonito para se ver morrer alguém. São coisas que nos sujeitam a partir do momento que nos fazem. São coisas da vida, porque é, ainda na vida, que tudo se sente e que tudo dói. Vou ter saudades do teu sorriso. Adeus.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Fucking with my head



A janela está aberta e, mesmo sentindo o frio cortar-me aos pedaços cada vez mais pequenos, encaro-o de olhos bem abertos e de olfacto apurado; quando se sentirem sós, façam isso, é uma óptima forma de vermos o quão somos incapazes de aguentar qualquer desconforto físico. Respirem, tentem inalar ar no meio daquele vento naifa, saturado de nada, tentem aquecer-se no meio dele. Não verão nada, somente frio, esquecerão as verdades sobre mundo e nao se lembrarão de felicidade tão cedo. Naquele momento, naquele preciso lugar, deparada para a janela apenas me preocupava em conseguir respirar bem e depois aquecer-me, sonhava com cobertores, aqueles de serra, aos quadradinhos cheios de pêlo; pensava numa chávena de chocolate quente, uma maravilhosa combinação de sabores e temperatura…só queria uma coisa quente que fosse e nada mais para além disso.
Se estiverem sós, façam isso.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Apocalipse



Os pássaros já não cantam, assobiam. O céu é mesmo azul e o mar está de facto poluído. As palavras nos jornais existem mesmo e as tragédias são a conjugação perfeita das letras pretas. Gostava que remodelássemos o significado das palavras e esperar que um dia as coisas mudassem de sabor; podia ser que sorríssemos ao ver o telejornal e apenas chorássemos a descascar cebola. Os animais estão fartos de procriar e nós de viver. Não somos a geração perdida, somos a última.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Heart-shaped box


Heart shaped box - Nirvana




(...) Ao som da música Heart-shaped box, viajo literalmente num estado metamorfoseado de dor fingida, e, com o calor da chuva doce intercalo uma vontade irreversível de querer dormir. Tenho sempre a mania de que entendo as dores todas, como se um pouco de imaginação pudesse mostrar do que a vida é capaz. (...)

Quero partir num barco e de noite, a respirar as estrelas que construíste para mim naquela noite em que vimos deus por entre as vitrinas do sexo; recordo-me do cheiro a relva húmida e o calor incessante daquela escuridão de verão misturado com o sabor intenso dos nossos corpos orgânicos que se desfazem quando mortos.…a remar a minha própria morte e a sentir o vento fresco e cortante vindo espaço, óh barco, doce barco leva-me para lá do horizonte!
(...)
Atingindo a diagonal do horizonte incerto, encontro-me na saída do mundo, no recto da vida e no seio da morte e pela primeira vez fiz parágrafo, uma longa pausa, uma longa pausa repleta de silêncio, cheia de tudo e de coisa nenhuma…

domingo, 4 de janeiro de 2009

todos os dias assistia a um mercado negro, no qual o sangue trocava gases com a linfa


Ouvi num documentário qualquer que é grande a probabilidade de termos tido um irmão gémeo durante a gestação. Mas sou pouco fiável, não acreditem em tudo o que respirem.




Com o olho direito semi-aberto vislumbro as pequenas ramificações de todos os vasos capilares da minha mãe, sigo o sangue apenas com ele, vejo o percurso infame de todo o líquido viscoso e de uma cor que pouca importância fazia para o contexto, uma vez que não se destacava naquela imensidão orgânica. Respiro inocentemente pelas minhas guelras temporárias;todos os dias assistia a um mercado negro, no qual o sangue trocava gases com a linfa , era uma festa ilegal da qual saía sempre beneficiada. Apenas só um olho tinha um pigmento de cor negro e por incrível que possa parecer era o único de qual usufruía.
Há medida que o tempo ia passando, não sei quanto - os relógios não faziam parte daquela forma de vida - a cor também atacou o outro, e passaram os dois a contemplar as felizes formigas sanguíneas de toda aquela promiscuidade medieval; era como se fossem duas beatas à porta da igreja, a ver quem entra e quem sai, com as glândulas salivares em trabalho esforçado para, no meio de muita água salivar, formarem os melhores boatos do mundo. E, foi aí que conheci o meu irmão gémeo e que pela primeira vez vi as asas de veludo que em passados recentes me tinham aquecido e recostado. Engatámos longas e filosóficas conversas. Ele já tinha vivido tudo e mais alguma coisa. Sempre me disse que a natureza me iria dar a oportunidade a mim de bandeja e a ele, iria mandá-lo para outro lugar. Perguntei-lhe incessantemente a razão das suas asas continuaram com ele, pelo que ele me respondia vivamente, “um dia compreenderás”. O espaço ia tornando-se ainda mais escasso, foi como se a mãe natural de todas as mães quisesse fazer ouvidos a todas as previsões que o outro corpo igual a mim fizera.
Tornaste-te igual a ele, mãe. Repugnas-me tanto porque não consegues encontrar um lado, porque preferes deixar tudo como sempre esteve, porque nunca tiveste iniciativa para mudar nem força para pensar sequer; Porque achas convictamente que o melhor para todos é aguentarmos o físico, que o mental acaba por arranjar qualquer coisa para se entreter. Enervas-me e enojas-me porque por muito que sintas que te sacrificaste por todos, ao fim e ao cabo não o fizeste por ninguém. Colocas a tua felicidade no mostrador de uma balança. Tão fútil é esse sonho e ignorante essa concretização. Para ti, tudo depende de uma simples operação, de uns simples quilos a menos, de uma dieta rigorosa e uma linha invejável. Achas que o amor começa nesse ponto.
Os meus braços aguentam com muita coisa, sozinhos. Não se podem queixar porque perdem mais facilmente a energia, e assim, toda ela fica concentrada só nos músculos. Estou a suar, mas nada importa, há que continuar esta caminhada sem sair do sitio e levar-nos a todos a todo o lado e a coisa nenhuma.
És macio irmão. Consigo ver-te bem lá do longe a sorrir-me e de asas atrás do peito, bem visíveis ao lado das orelhas, por cima dos ombros.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009


Levantar-me pela manhã, conectar as narinas ao cérebro e deliciá-lo com o cheiro a café de uma chávena que não vou beber, sentir a chuva miudinha a cair lá fora, e respirar o ar de dentro como se fosse a brisa de uma manhã clara de primavera. Afinal de contas, naquela casa jamais sentirei a chegada das estações quentes; o tempo está estagnado nas imagens e passa a correr pelas gentes que não conheço. Muda a paisagem mas os olhos não alcançam como se precisassem de uns binóculos ou umas lentes fundo de garrafa de champanhe para verem de muito longe aquilo que se passa à minha volta.
Acorrentada ao telemóvel sigo viagem com chegada marcada, bem decorada pelo cérebro e, nos momentos em que sinto as duas penas das minhas asas de cartolina branca, voo até as recordações que fiz; já que a sua partida foi em vão, deixou por aqui saudades que impedem que o seu cheiro desapareça, pois em cada partícula de ar que engata por engano nos pulmões sinto o cheiro só dele, por detrás daquele perfume. E, ao contrário das outras pessoas, saí de casa num dia de chuva, pois poderá não haver uma próxima oportunidade. Fecho os olhos, ouço a música que costumava ouvir e vou arrecadando na minha adega, segundos de felicidade ainda não gastos como o número de vidas de um jogo de computador; ficaram por gastar desde aquela semana de verão, sim, porque tive um cuidado especial em congelar algumas sensações; preocupo-me muito mais em conservá-las do que continuar com a vida igual. O Homem só escala o monte Everest uma vez na vida, eu já escalei o meu. Cheguei ao topo da montanha no último dia e depois mantive-me lá durante uma porrada de dias, quem sabe semanas ou meses. Também ele sempre fez com que me mantivesse lá o máximo de tempo possível e que sentisse todo o meu corpo a sorrir e completamente narcótico de toda aquela natureza que me rodeava. Respirei toda aquela aura a virgindade e mergulhei os olhos no verde da montanha, absorvendo o vermelho límpido das maçãs nas árvores lá ao fundo.
Parece que todos os dias sou cortada com pedaços de vidro que andam a voar no céu, acordam-me para a realidade e sinto, à medida que vou apagando estas memórias, os estilhaços de vidro a espetarem no meu corpo; o frio penetra-me de uma forma fugaz e adormece-me os sonhos, leva-os para tão longe de mim…
Continuo a passo brando pelas ruas onde passaste e dou por mim a lutar com a minha mente, numa procura incessante por mais bocadinhos de memória, partículas dela que ainda estejam com algum poro intacto. Reinvento-te todos os dias. Por momentos consigo que os olhos vejam o sítio onde queria estar, parecia que sempre quis ali estar. Quais crises existências, quais depressões aniquiladoras, naquele dia, naquela hora, tinha arranjado o maior remédio de todos.