quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Pouso devagar as chaves sobre a mesa, entro a espumar da boca mas limpo-a rapidamente e recomponho-me para uma entrada casual, estando a ferver por dentro e até mesmo por fora, limpo-me apressadamente e cheiro o meu casaco e t-shirt na ânsia acesa da ausência de um cheiro não familiar, descubro que não sei se sei distinguir a memória do cheiro físico na realidade, eu sinto-o, sinto-o em todo o lado, no chão, nas paredes, no vento, no mar, na roupa, por dentro, por detrás de tudo consigo snifar aquele aroma a macho, mas um macho que me cativa, que me enlouquece, que me mexe nos confins do meu corpo nauseabundo a desejo.
Aquele frio estupendo na barriga foi substituído por um ardor incontornável, queimava por dentro, ardia lentamente todas as células outrora mortas do meu corpo, não dói, mas vem à boca um sabor irredutível a felicidade, uma saliva pura com uma adrenalina excitante e inacreditável, julguei ter uma montanha russa na cabeça, algures, naquele sitio onde se pensa com o coração. E, com algum receio de me ter entregado mais do que aquilo que devia, saboreio a maça suculenta na minha boca, arrepiando-me pelo barulho que provoca nos meus dentes, sentindo ainda um vento frio na espinha, como se ainda fosse um depósito de toda aquela excitação. A raça humana é pequena demais, vejam só, como momentos excitação podem fazer mudar por instantes a ideia que se tem do grau de satisfação em que nos encontramos, reparem como os mesmos olhos que vêm toda a desgraça, sentem todo o prazer esquecendo tudo o que ficou para trás…e fossem os meus lembrarem-se de alguma coisa, ontem….
Amanhã, o ontem partirá para bem longe de mim, lá para os confins do mundo, para aquela linha imaginária onde ficam todos os sonhos e dias realizáveis, e eu que pensara que esse dia não viria nunca mais, enganei-me redondamente, sabendo que no fundo queimava em algum órgão um desejo impune de cometer o perdido erro de me querer enganar a mim própria que alguma coisa que verdadeiramente desejei sem desejar aconteceria.
Atiro-me para a cama, a minha cama afinal, aquela que sempre invejei e repudiei ao mesmo tempo, tão sóbria, tão só, incompleta, mas aconchegante, sempre dá para aquecer o corpo e faze-lo descansar para outro dia inglorioso, no fim de contas, eles estão de volta, em força, para me atirarem para dentro de um buraco profundo, cheio de vácuo e coisa nenhuma, do mesmo material de que é feito um coração que conheci.