segunda-feira, 21 de julho de 2008

S.D.

Algumas camadas interiores começam a florescer, rasgando-se da pele queimada dos dias quentes, elas vieram ao de cima como o barco que se afundou e jamais será recuperado, adormecido no fundo do útero marino, guardando memórias mergulhadas no sal, temperadas ao sabor do vento, remexidas pelos peixes que fazem a distorção relativa à medida que os ponteiros do relógio percorrem lentamente o percurso infinito. Estou a envelhecer, é verdade! Sobressaem ainda alguns poros rotos, outros escondem nos cantos inimagináveis pedaços de lágrimas que não secaram. Tudo volta, porque tudo merece ter uma segunda hipótese, e eu decidi dá-la ao amor, se bem que não fui completamente imparcial, deixei-me levar na corrente até que o vento me trouxe ares novos e tão antigos que eu já conhecia.
Senti levemente no fundo da alma o sopro que guarda consigo o cheiro do maior dos maiores dos sentimentos, senti aquele calor apoderar-se do frio que presenciou desde então, e ouvi as minhas cordas vocais a tentarem pronunciar um breve orgasmo e ao mesmo tempo a memória e a dignidade a travarem-no, calando-o e fazendo-o perder-se no silêncio da noite.
Ontem o vento trouxe-me de volta aquele som que deixei por soltar, o meu corpo rendeu-se ao sentimento hegemónico que estourava como bombas nucleares no meu peito e acordava as hormonas habituadas ao descanso para a dança, a dança da vida. Acho que estou doente, mais doente que da última vez, só não sei como lidar com isto, se na primeira vez falhei redondamente tudo o que nunca deveria ter feito, deixo-me sentada numa cadeira, à espera que a batalha termine, e que um dia possa já ter vencido a guerra, de uma dor incontornável que foste.
Dentro de mim volta a crescer aquela florzinha chamada esperança, que faz cócegas na garganta e frio na barriga, as células viajam agora na primavera do meu ser, de sorriso na boca, e de olhar completo e vivido, como um gosto doce na boca, caminham pela estrada, como se no fundo lhes esperasse um belo homem com uma t-shirt de um desenho animado da rua Sésamo.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Espera impotente

Por entre os espinhos das rosas murchas floresce o micróbio da dor, uma doença que se alastra por tudo o que é belo e virgem, por entre os pinhais de natureza inocente, por entre os campos com sementes prontas a florir, esperando pela primavera para que tudo posso fazer da sua voz palavras que dançam ao som do vento até chegarem ao céu e perderem-se na imensidão do universo, esperando um dia serem recordadas por alguém, como se algo ficasse eterno no coração dos que morrem, como se algo jamais pudesse ser feito alimento dos insectos que rasgam a carne flácida do que outrora foi vivo e colorido, e até mesmo nos dias mais cinzentos, e na dor mais aguda, resistiam à vida, porque à morte não se resiste.
É tudo uma espera impotente, uma espécie de sala acalorada pela impaciência humana, onde os seres vivos combatem contra o tempo, que sempre que é preciso está a descansar no leito do mundo. E é impotente porque a paz não a abraça na hora da despedida, é uma guerra incessante, são batalhas que perduram todas as vidas de quantas mortes já sucederam, não há vencedores nem vencidos, é uma guerra incapaz e débil assim como toda a carne no mundo.
Um dia, vou sentir falta do que não vivi, e nesse dia, tudo irá ser tarde demais. É por isso que aqui estou, para sentir na minha pele que se queima com o calor do sol, a dor do que já não pode voltar mais, de erros irremediáveis, de problemas irredutíveis de respirares incansáveis e tentativas falhadas de manter o barco em equilíbrio neste oceano sóbrio.
Vejo dor naquela rosa que me deste, vejo dor em todo o lado para dizer a verdade, salpicos de água choca, e vejo mosquitos a picaram as pétalas que ofuscam os olhares, vejo uma cama e um quarto fechado, paredes a gritarem no silencio, a roupa a chorar lágrimas de pânico pelo corpo que ousaram abraçar, um espelho que se parte a cada reflexo, uma janela inatingível, uma escada rota, terra molhada, pedras de cimento, letras hipócritas, memorias enterradas, insectos saciados, um portão, um sino de uma igreja, um olhar seco e … um ramo de alecrim pousado sobre a pedra…

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Queimei-me de tantas vezes vislumbrar o céu, aquele paraíso terreno que jamais será esquecido, para mim, é a única coisa que nunca nos abandona, estará sempre por cima de nós a segredar-nos o vasto território de que um dia, por mero acaso, ousaremos ocupar sem fronteiras nem limites, ousaremos desvirginar tais terras, ocupando-as com todas as minhas colecções de postais de entes queridos, memórias rasgadas ao relento, guardadas como múmias no cofre que há em mim, respirarei o ar inculto e dormirei num descanso inocente para um tempo indeterminado.
Sonhei um dia, engolir tudo isto apenas com um clique, um desligar da máquina defeituosa que me mantém viva, mas acordei no momento em que desfrutava de um reconhecimento árduo do que fui submetida a sobreviver, o sol dilatou-me as pupilas novamente, como se a maior alegria jazesse no coração daquele astro em chamas, que se ria da figura dos homens que diziam um dia o hidrogénio acabar, acabando por ser eles os únicos com data de entrada e saída marcadas, e olha que até é uma estadia efémera…
Pedi ao mundo e aos céus que me trouxessem um dia novo, um dia que estava eu já farta de o reinventar como se sempre que o imaginava, algo me dizia que era novo, novo em folha, a estrear, mas nessa altura, já eu tinha estreado o dia tantas vezes quantas horas o mundo tem, de qualquer forma, a minha inocente mente sabia que o dia nunca viria, por isso é que era jovem, porque nunca nasceu, porque nunca veio num dia de primavera junto com as andorinhas, nunca chegaram a rebentar flores, muito menos frutos, e o sonho dói levantando voo como um balão que uma criança se descuidou e largou-o, escorregou-se por entre os poros da minha pele, e as lágrimas sempre a vê-lo de longe e fugir, e molhavam-se ainda mais, ainda hoje consigo pegar na memória do sonho amarelo que vi fugir, vejo-o sorrir maleficamente batendo numa nuvem, sorrindo…e sorrindo. A sorrir ficou a minha alma, depois que os poros aumentaram de tamanho, houve espaço para a raiva entrar, e a fúria misturou-se e as memórias foram guardadas numa gaveta de fechadura fortíssima, com um título bem legível “perigo de morte”, e eu não mexo nelas, tenho medo…
E foi ao diminuir a minha capacidade de armazenamento mental, que tentei que esse quarto fechado não constasse tão cedo na minha lista de divisões, para que pudesse viver com dignidade o primeiro dia do resto da minha vida.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Não sei por quanto mais tempo consegue o meu organismo aguentar, de todas as forças que tenho gastei as psicológicas até ao mais ínfimo grão de energia, e agora, como eu gostaria de segurar a dor física do nervosismo que se acumula nos bunkers das traves sanguíneas que escorrem com o movimento circular do tempo, não me resta qualquer felicidade platónica que me sustente como uma corda com dois lados, que se arrasta com a força humana para um e para outro, vai rebentar, ela vai rebentar …Mas eu não sei, não sei quando tudo isto irá parar, não me resta qualquer esperança do troco que deixaste, nem qualquer ânimo, já nenhum Deus aguenta as minhas preces, como se eu as aguentasse! … Tentei ofuscar o meu olhar quando subi alguns graus a cabeça para me deparar com o esplendor que me sustentava, mas o pescoço estava enferrujado e a cabeça mais pesada que bigornas, ceguei-me de tanta beleza que me agoniei e dentro da minha boca junto do meu hálito pútrido a vontade de sumir, nasceu a azia doce e inocente, como se algo nascesse por prazer, mas não nasce, porque ninguém pede para vir ver de cá de baixo tudo isto, e pensar que poderia ter ficado no leito das nuvens para sempre a saborear a dor que me livrei de sentir, não sentia de qualquer forma, não havia prazer mas também não havia pingo de dor, de angústia, de saudade, antes não sentir! ... e pensar isso, revolta, não ajuda.
De qualquer das formas sempre fui muito fraca, e foi por isso que a vida decidiu testar-me a todo o segundo, para fortificar-me…mas para quê? Para um dia despedir-me do mundo sem ter tempo para dizer adeus, a menos que a medicina me informe que tenho um mês de vida, ou até menos, a menos que consiga viver tantas e quantas vidas precisarei para me conseguir despedir de tudo, porque até a dor deixa saudade aos que sentem, sempre que a dor aumenta, a diminuta deixa ansiedade que algum dia volte, porque dessa já estamos imunes, como se a dor também não morresse …
Inutilidades descreve o que escrevo, de uma forma fugaz e egoísta tudo o que escrevo serve para meu próprio consolo, e se nem eu, que cuido de mim todos os dias, consigo satisfazer-me mais ninguém ousará dizer-me que me ama, e que o pode fazer, porque eu…eu nunca soube o que quis. Tenho uma pancada forte num sítio obscuro do cérebro que teima em obstruir-me passagens de novelas maravilhosas na linha do tempo que se desfigura na minha mão.
Esquecer.

sábado, 5 de julho de 2008

Alimentei com purpurinas o fundo do poço que há dentro de mim, embelezei-o com as melhores e as mais bonitas que encontrei para me convencer de que nada disso me servia. Continuavam a nascer ervas daninhas e a florescer um cheiro a vómito repugnante, persistiam vozes que teimam em não silenciar-se misturadas com o seu eco de todos os dias, parecem palavras com asas rotas, descabidas de toda a sua utilização possível, mas mexem comigo, temperam-me as recordações que teimam em acordar comigo de manha misturadas no meu hálito; dirijo-me à casa de banho e vou purificar-me de novo, como se aquela prática não tivesse mais fim, e realmente não tem, o que passou por mim deixou um pouco de si e levou um pouco de mim, enquanto disso restar a perfeita consciência, terei sempre um pedaço amargo do doce mal dissolvido, para me angustiar, para me lembrar que afinal respiro todos os dias com um propósito maior.
A minha dor é uma escolha pessoal ou veio a partir de uma decisão mal tomada, qualquer das duas hipóteses parecem-me semelhantes, quase como o meu reflexo num vidro, já que nos teus olhos sou uma imagem de alta tensão distorcida e vá lá que os contos de fada ainda existem e que a realidade também se apaixona às vezes…

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Caminhei pelos quartos fechados, não descobri nada de novo; são homens, pessoas, animais enjaulados por paredes a cair de podres, arruinadas pelo sofrimento psicológico que teima em largar cheiro na vida dos que se desprendem dela como libelinhas que rasgam nuvens. Eu gostava de ser uma libelinha, voar livremente pelo mundo, sem sentir necessidade de, por instantes, me deparar na sua dificuldade de interpretação, jamais daria a importância que dou ao tempo que teima em passar sem trazer boas novas, não te daria importância a ti e com isso também não sentiria saudade, aquela mágoa que parece manteiga num coração queimado pelo Sol, está rachado, as placas tectónicas fazem pressão sobre a caixa torácica, qualquer dia tudo explode, fazemos o big bang ao contrário, e quando de ti e de mim se restar apenas cinzas e pó vamos ser unos e completos, não vais ousar procurar outras cinzas porque todos os teus músculos se reduziram a ínfimos gramas de droga, não me trocarás por nada, já que em mim jaz a certeza de que és tudo o que possuo.
Quem disse que o mundo era bonito, era porque era um turista condenado aos cobertores da morte doce e rápida, ninguém a não ser por interesse se atrevia sequer a pronunciar total beleza onde conjugam e dançam a mesa todo o tipo de sentimentos obscuros e claros dando tonalidades quentes e frias, consoante o espírito e o lugar.
Estamos todos a arder, e um dia vai faltar oxigénio para que se dê a combustão, nesse dia quero-me rir dos felizes, quero vê-los afogarem-se no oceano com todo o dinheiro que conseguiram à custa de outros, porque os verdadeiros felizardos choram lágrimas de cerveja por todo o pouco dinheiro que conquistaram, como se todo o esforço fosse tão mal pago, com pedaços de papel e ferro de desenhos e valores insignificantes impostos por outros tipos não mais do que quaisquer outros. A vida repudia, tudo repudia porque o nosso mundo interior é substancialmente maior que todo o espaço físico possível, e quando não há espaço é impossível que uma alma consiga se desenvolver o suficiente para aguentar com o peso do cinzentismo dos dias às costas. E, quando não se aguenta, tenta-se acreditar em algo maior, para que tenhamos fé de que algum dia tudo isto vá valer a pena.