sexta-feira, 11 de julho de 2008

Queimei-me de tantas vezes vislumbrar o céu, aquele paraíso terreno que jamais será esquecido, para mim, é a única coisa que nunca nos abandona, estará sempre por cima de nós a segredar-nos o vasto território de que um dia, por mero acaso, ousaremos ocupar sem fronteiras nem limites, ousaremos desvirginar tais terras, ocupando-as com todas as minhas colecções de postais de entes queridos, memórias rasgadas ao relento, guardadas como múmias no cofre que há em mim, respirarei o ar inculto e dormirei num descanso inocente para um tempo indeterminado.
Sonhei um dia, engolir tudo isto apenas com um clique, um desligar da máquina defeituosa que me mantém viva, mas acordei no momento em que desfrutava de um reconhecimento árduo do que fui submetida a sobreviver, o sol dilatou-me as pupilas novamente, como se a maior alegria jazesse no coração daquele astro em chamas, que se ria da figura dos homens que diziam um dia o hidrogénio acabar, acabando por ser eles os únicos com data de entrada e saída marcadas, e olha que até é uma estadia efémera…
Pedi ao mundo e aos céus que me trouxessem um dia novo, um dia que estava eu já farta de o reinventar como se sempre que o imaginava, algo me dizia que era novo, novo em folha, a estrear, mas nessa altura, já eu tinha estreado o dia tantas vezes quantas horas o mundo tem, de qualquer forma, a minha inocente mente sabia que o dia nunca viria, por isso é que era jovem, porque nunca nasceu, porque nunca veio num dia de primavera junto com as andorinhas, nunca chegaram a rebentar flores, muito menos frutos, e o sonho dói levantando voo como um balão que uma criança se descuidou e largou-o, escorregou-se por entre os poros da minha pele, e as lágrimas sempre a vê-lo de longe e fugir, e molhavam-se ainda mais, ainda hoje consigo pegar na memória do sonho amarelo que vi fugir, vejo-o sorrir maleficamente batendo numa nuvem, sorrindo…e sorrindo. A sorrir ficou a minha alma, depois que os poros aumentaram de tamanho, houve espaço para a raiva entrar, e a fúria misturou-se e as memórias foram guardadas numa gaveta de fechadura fortíssima, com um título bem legível “perigo de morte”, e eu não mexo nelas, tenho medo…
E foi ao diminuir a minha capacidade de armazenamento mental, que tentei que esse quarto fechado não constasse tão cedo na minha lista de divisões, para que pudesse viver com dignidade o primeiro dia do resto da minha vida.

1 comentário:

teresinha ferraz. disse...

"A sorrir ficou a minha alma, depois que os poros aumentaram de tamanho, houve espaço para a raiva entrar, e a fúria misturou-se e as memórias foram guardadas numa gaveta de fechadura fortíssima, com um título bem legível “perigo de morte”, e eu não mexo nelas, tenho medo…"

texto mesmo mesmo bonito!
tocou-me .. então a passagem que citei *.*
beijinho