sábado, 28 de junho de 2008

E todas as vezes que o ar se recusa a entrar para ser respirado e sugado, que o sangue anda mais devagar e arrefece, que a temperatura lá fora fica negativa, que tudo à volta fica invisível como se os nossos olhos só pudessem ter foco no medo e no pânico que percorrem o corpo como um rastilho de pólvora, esqueço-me que até consigo falar, pensar, reagir…
O mundo fica logo com outro significado, nunca mais me vou esquecer da minha filosofia de infância nesses momentos, fiquei marcada para toda a eternidade. Porque esse medo sou eu hoje, moldada com deficiências de alma, pequenas partículas que chocam com os valores da normalidade.
Lembro-me de enrolar-me nos cobertores enquanto ouvia o espectáculo gratuito por de trás do ranger e da azáfama de portas e outros objectos, às vezes até eram objectos um pouco maiores com coração e tudo. Nunca percebi como o amor poderia ser festejado desta forma, e ainda mais curioso, nunca cheguei a perceber como é que ele ainda se faz restar no meio do ódio e do rancor. A minha cama era quente, mas nunca o suficiente para me abraçar calorosamente e me fazer esquecer o que os meus ouvidos percebiam e o meu coração consentia. Não tinha irmãos, portanto, não tive mais ninguém para tomar conta, para abraçar nestes momentos e também nunca tive ninguém que me abraçasse e me dissesse que o mundo também tem outras cores. Tive de lutar por mim mesma, até conseguir fazer ver-me isso, pelo menos no sentido teórico, o sol iria aparecer no dia seguinte de qualquer das formas.
Enquanto me encolhia toda, tapava os ouvidos e semicerrava os olhos, sentia alguém maior, acima de mim, a prometer-me um futuro melhor, a mexer-me no cabelo e a garantir-me que tudo ia correr bem, mas ele nunca chegou a vir, sempre esperei na minha cadeira, rodeada dos desenhos fartos do meu pequeno quarto, mas ele nunca me chegou a cumprimentar.
Sinto que a minha vida é como uma passadeira, quanto mais corro, mais depressa vem ao de cima a regularidade de toda ela, quanto mais força faço, mais depressa me sinto entulhada com os ínfimos metros cúbicos a que estou predestinada, cada vez mais sufocante, mais insuportável e só emagreço em alma, porque cada vez me sinto mais farta de sentir, como se os sentimentos não esperassem sair de alguém de forma pura e verdadeira, sair só pelo simples facto de sair, como aquelas mães das classes baixas, a abarrotar de partos e filhos, percentagem numerosa de pobres coitados predestinados ao abismo. Afinal sempre tudo depende da sorte, sempre tudo depende do ventre que se ocupa, a decisão cabe àqueles que estão de fora, cabe ao mundo.
Oh, quero entrar dentro de ti, quero arranjar uma esquina para lá morar, para sempre, quero ser o órgão do qual não possas passar sem, porque contigo, estou bem, estou a salvo. Encontro em ti, todas as tonalidades que quero, jaz em ti o desejo e a acção da palavra. Obrigada. Se me coubessem todas as decisões, já tinha encontrado a felicidade.

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