domingo, 31 de agosto de 2008

Sou vítima de uma gravidez ambulante, de um cancro no colo do útero que se propaga pelo sangue chegando aos vasos capilares mais requintados e por sua vez mais discretos como se esses fossem o FBI num caso de extrema segurança e privação, em que não pudessem ser vistos e nem deus pudesse salvaguarda-los por nem sequer constarem na lista de mortais; o cancro vai morrer quando eu morrer, é uma vitória do corpo, um descanso da vida, e uma libertação da alma aprisionada ao corpo que não escolheu. Não parto sozinha em vão, mas acabo por matar toda a saudade que aquelas dores e coisas na barriga me deixaram. Parto, prenha por essa rua fora, grávida de ti, do mundo, de todas as palavras que engoli sem querer, como se me entalasse com um gole de água oferecido por uma pessoa que me despreza, vislumbro olhares que me olham fazendo o percurso com a íris dos meus pés à cabeça, parando nos meus olhos, observando de perto a minha expressão mais adulta e vislumbrando a barriga que não quer crescer.
Acabei por ter o meu filho há alguns dias atrás, vi-o nascer e florescer, cheguei a tocar-lhe no umbigo e decorei algures na minha memória, aqueles calções verdes, aquela barreira da distância e do amor que fazem para sempre paralelas no meu caminho. Aprendi, também que mentir é o melhor caminho para aqueles que não nos deixam respirar, a liberdade começa a ganhar a sua própria independência à medida que o segredo envelhece e se torna maduro, ganha forma e sai à rua ao lado do meu porta-moedas dentro da mala robusta comprada naquela festa na qual vivemos momentos felizes.
Para sempre serei um mártir daquilo que fui, está escrito em algum lado que jamais chegarei ao cimo sem que a escada anterior não me pareça insana, e não é que nunca me tenha envergonhado dos meus apetites, é só que à medida que a maçã vai sendo digerida na boca virgem, o segundo pedaço a trincar pesará sempre menos na consciência é tal e qual como a guerra mundial que começa numa briga de irmãos, uma briga de infância, uma disputa por um brinquedo, vai evoluindo com as idades, passa por uma briga de adolescentes, atinge a maioridade, dois adultos que disputam questões monetárias, passam pelos números ordinais e acrescentam gentes às pequenas batalhas, os números vão subindo a uma velocidade louca ate que envolve uma grande guerra com todas as gentes do mundo e mais algumas, por assuntos das quais as origens já não são bem recordadas e acabam por encher todos os jardins nutridos a carne podre e em decomposição com ossos à mistura de almas despedaçadas e corpos sem vida. E, depois, há sempre alguém muito gentil, que acha que não tem culpa no cartório e esculpe na pedra um doloroso e sentido “R.I.P” como se a última palavra fizesse qualquer buraco branco nas mentes guerrilheiras, o pior, é que a paz não é um morto que não sente, é um vivo que descansa.
E o amor só poderia explodir em mim desta forma, visto que eu nunca fui muito com ele no seu estado natural, faz-me um certo tipo de alergia, porque quase sempre me provoca dor de terceiro grau aguda, mas naqueles dias, misturou um sabor intenso a morango e maracujá na boca da maça vermelha que fez com que nutrisse um líquido alaranjado chamado felicidade, com um ponto alto de ebulição que fazia o sangue ferver e as veias corromperem, e o coração esse impiedoso ilusório batia como se não houvesse amanha, numa folia e adrenalina invejáveis…oh meu deus (seja lá quem fores) eu fui feliz!

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